Seminário Internacional de Estudos em Linguística Popular
Instituto de Análise Caipira do Discurso – homenagem a Amadeu Amaral pelo centenário de publicação do livro O Dialeto Caipira
Imagem de fundo:
Di Cavalcanti. Carnaval, 1968.
Edição de 1920
Edição de 2020
Com o advento da web, constatamos em ritmo bastante intenso a proliferação de um conjunto de práticas linguísticas, que desde alhures existiam, designáveis como populares, mas que podem ser entendidas também como espontâneas, leigas, ingênuas. Trata-se de atividades linguísticas com ou sobre a língua, produzidas pelos diferentes atores sociais, que circulam nos mais variados espaços: imprensa, escola, fóruns de discussão na internet, redes sociais, guias de conversação, polêmicas em torno de determinado uso linguístico, cartilhas de usos linguísticos, etc. Todo esse material oferece um profícuo, mas ainda pouco explorado, cenário de investigação para os linguistas no âmbito da linguística popular. Linguística popular é uma tradução literal do que os falantes do inglês chamam de folk linguistics.
No Brasil, embora não o sejam assim designados, muitos trabalhos realizados alhures e também atuais poderiam ser enquadrados nesse campo do conhecimento, que no contexto anglo-saxônico (sobretudo americano) e germânico (notadamente o alemão) é muito forte. Por exemplo, toda a descrição que Anchieta fez do Tupinambá no século XVII, os glossários elaborados pelos viajantes europeus nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo as disputas entre os modernistas (Mario de Andrade) e os parnasianos (Olavo Bilac) sobre a existência/necessidade de uma língua nacional no final do XIX e início do século XX, ou ainda as recentes polêmicas entre gramáticos, linguistas e não-linguistas sobre o livro Por uma vida melhor poderiam ser designados como fazendo parte de uma folk linguistics.
A rigor folk linguistics designa todo o trabalho sobre linguagem, isto é, os saberes espontaneamente construídos pelos mais diversos atores sociais, que não estão necessariamente fundamentados em uma lógica de uma teoria da linguagem. N. Niedzielski e D. Preston propõem uma síntese e uma imagem do conteúdo da linguística popular norte-americana: “[The word folk] refers to those who are not trained professionals in the area under investigation [...] We definitely do not use folk to refer to rustic, ignorant, uneducated, backward, primitive, minority, isolated, marginalized, or lower status groups or individuals (2000, p. 08)”.
Os autores sublinham que os saberes populares contribuem sobremaneira para a constituição dos saberes científicos: “Whether for the purely scientific purpose of recording it or for the social purposes of helping us better understand our attitudes to one another, we suggest that the study of [...] linguistically-oriented caricature is an important task (2000, p. 123)”. No contexto brasileiro, até o presente momento todas as discussões sobre a língua (ensino, uso, pesquisa) têm colocado linguistas e não linguistas em lugares diametralmente opostos: detentores do saber científico sobre língua de um lado e detentores de saberes leigos sobre a língua de outro. Trata-se de uma verdadeira interincompreensão: cada um traduz o discurso do outro a partir do seu posicionamento discursivo.
Cumpre destacar que a não fundamentação em uma teoria científica de linguagem, não invalida os trabalhos dos linguistas leigos, mesmo os de natureza mais prescritiva, que podem ser incorporados ao trabalho dos linguistas propriamente ditos. Entendemos com Marie-Anne Paveau (2008) que as abordagens científica e popular são anti-eliminativas.
Com efeito, entendemos a linguística popular de maneira escalar e não binária, isto é, não está em contradição com a linguística acadêmica, podendo, portanto, a primeira ser plenamente integrada a um estudo científico da linguagem. Como sabiamente afirma Paveau (2008): “os enunciados populares não são necessariamente crenças falsas a serem eliminadas da ciência. Constituem ao contrário saberes perceptivos, subjetivos e incompletos a serem integrados aos dados científicos da linguística”. A linguística popular contempla quatro dimensões: 1) Epistemologia e história; 2) Representações sobre língua(gem) e gramática; 3) Práticas de pesquisa e pedagógicas de linguística popular e 4) Política de línguas.